quinta-feira, 27 de maio de 2010

CÁLICE ou CALE-SE


A moderna musica popular brasileira deve as gerações, pós – bossa nova e pós festivais, quase tudo o que aconteceu de melhor em termos de criação e qualidade,entre os anos1973 – 1985. Mesmo sofrendo o impacto enorme da censura, que esmagava e tolhia quase todo o espírito criativo, a maioria de nossos jovens compositores,manteve-se em continua atividade,criando coisas lindas,pouco se deixando influenciar pelas misérias de um autoritarismo que chegava algumas vezes as raias da selvageria e até irracionalidade.

Figuras de destaque,desde o inicio de suas carreiras, nomes como: Chico Buarque,Caetano Veloso,Gilberto Gil,Edu Lobo,Milton Nascimento, Geraldo Vandré, são referencias valorosas,que a par de seu talento espetacular ainda, possuem um passado de lutas racionais e extremamente corajosas,contra um movimento que não tinha nenhum escrúpulo em ¨providenciar¨o desaparecimento sistemático de pessoas que não aceitassem pacifica e covardemente,os princípios imperialistas e ditatoriais dos donos do poder,cuja prepotência entrou melancolicamente para a nossa historia. Para discordar publicamente daqueles princípios expostos pela ditadura, era necessário coragem,muita fibra, muita brasilidade.

Nesta época, a censura imposta pelos militares era violenta e constante. Jornais, Rádios, TVs, Teatro, tudo censurado sem nenhuma contemplação.

Cálice, uma composição de Chico Buarque e Gilberto Gil, é um exemplo de letra elaborada com o objetivo comum entre nossos compositores de burlar a censura, na época em que foi feita(1973). Na verdade, Cálice destinava-se a um evento promovido pela Polygram, que deveria reunir em duplas, os maiores compositores do elenco da gravadora. A musica inicialmente deveria ter como interpretes os seus compositores, Chico Buarque e Gilberto Gil. A composição nasceu de um encontro casual, no apartamento de Chico, na época na Lagoa Rodrigo de Freitas. Gil mostrou os versos que havia feito na véspera, uma sexta-feira da Paixão. O refrão deixou Chico encantado: ¨Pai,afasta de mim este cálice/ De vinho tinto de sangue.¨uma obvia alusão a agonia de Cristo no Calvário. A ambigüidade foi imediatamente percebida por Chico: (cálice/Cale-se) Gil trouxera ainda a primeira estrofe da composição ¨Como beber desta bebida amarga/Tragar a dor,engolir a labuta/Mesmo calada a boca,resta o peito/ Silencio na cidade não se escuta/De que vale ser filho da santa/Melhor seria ser filho...da outra/ lembrando uma bebida amarga muito em moda na Itália,chamada Fernet., era oferecida as visitas,quando o barulho de Roma diminuía e se permitia ¨ouvir¨ o silencio. A intenção dos compositores fica evidente quando o ¨silencio¨ é considerado a liberdade de expressão,e não era permitida pelo ¨barulho¨ que se deveria entender como a atuação da censura que não permitia a liberdade de expressão.

Deste primeiro encontro, e de outros mais que aconteceram dias depois, nasceram a melodia e as outras estrofes – quatro no total – sendo a primeira e a terceira de Gil e outras duas de Chico. No dia do lançamento da musica, num show lotadissimo, com uma platéia repleta de uma juventude cada dia mais carente de liberdade, ao iniciarem o canto de Cálice, a censura cortou o microfone. Gil ficou irritadíssimo, e Chico aproximou-se do outro microfone de palco,que também foi cortado,impedindo ambos de cantar a canção até o fim,diante de um publico que vaiava alucinadamente.

Cinco dias depois, a censura liberou a canção, que foi incluída no LP que Chico gravava anualmente, mas com a saída de Gilberto Gil da gravadora Polygram, a participação de Gil, foi substituída por Milton Nascimento, que a gravou com Chico Buarque. Foi esta uma época que embora tenha sido algo tumultuada por algumas circunstancias, passou para a historia por produzir uma elite de grandes compositores que até hoje enaltecem a verdadeira Musica Popular Brasileira.

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