quinta-feira, 27 de maio de 2010

O ESPELHO DO NICOLA

Nascido na velha Itália a muitos anos atrás, o velho Nicola é uma pessoa muito agradável, de fala mansa e calma, fato que contraria aquela impressão que quase todos nos temos, que italiano fala bastante e muito gesticula. Com Nicola é diferente, ele é calmo, não exagera nas gesticulações, e é muito sábio,diz coisas inteligentes.

Talvez por trazer consigo, os genes daquela cultura milenar da Europa, sua prosa é sábia, agradável e até instrutiva, por isso sempre que o encontro, procuro conversar com ele.

Em uma de nossas ultimas conversas, para provoca-lo, quis saber a sua opinião quanto ao sentido da vida, as razões de o homem viver sofrer e morrer, aqui na terra, onde aparentemente ninguém possui a felicidade plena. Qual seria o objetivo de Deus para tal atitude? Ele me disse:

“-Bambino, como você sabe, eu cheguei a este grande pais que é o Brasil, em 1947 pouco depois do fim da segunda grande guerra, e eu tinha na época 17 anos..era um garoto, sem família,sem ninguém que pudesse me ajudar.

Na Itália, no povoado em que eu morava, éramos muito pobres, mas éramos felizes, pelo menos antes da guerra.

Havia uma estrada de terra, que passava ao lado do povoado, por onde transitava muita gente, inclusive soldados apressados, nas suas atividades da guerra. Eu era pequeno, mas me lembro muito bem. Certo dia, uma motocicleta alemã, sofreu um acidente naquela estrada e juntou muita gente para ver e ajudar. Depois que todos foram embora, eu, com minha curiosidade de garoto fui lá olhar, e achei pedaços partidos de um espelho, que suponho fosse o retrovisor da moto.Tentei junta-los todos mas como era impossível, então guardei só o pedaço maior. É este aqui, que trago comigo até hoje, veja – Disse isso, retirando de uma carteira de couro surrado, um pequeno espelho redondo, do tamanho de uma moeda de vinte centavos.

O espelhinho esta redondo porque eu o esfreguei numa pedra, ate que ele ficasse assim redondinho. Comecei a brincar com ele, e descobri fascinado, que poderia atravez do espelho, reproduzir a luz do sol em lugares escuros como fendas, buracos,fundo de gavetas,onde o sol nunca brilhara antes.

Aquilo então virou um brinquedo para mim; levar a luz em lugares onde ela até então nunca havia brilhado, lugares inacessíveis que conseguia encontrar.

Passei a levar sempre o espelhinho comigo, e quando nada tinha para fazer,

continuava com o desafio do jogo. Quando virei homem, já aqui no Brasil, entendi que aquilo não era só uma brincadeira de criança, mas uma metáfora do que eu poderia utilizar como sentido para a minha vida.

É lógico que eu não sou a luz, e menos ainda a fonte dela, porque a luz verdadeira provem de Deus – a verdade, a compreensão, o conhecimento – estão ai para iluminar muitos lugares escuros, e o que eu posso fazer é procurar refleti-la.

Eu sou, “bambino”, apenas um fragmento de um espelho maravilhoso, do qual não conheço a forma, nem toda a finalidade. Mesmo assim, com o pouco que tenho, posso refletir a luz nos lugares escuros, sobretudo nos corações humanos, e com esta atitude, talvez acabe ajudando algumas pessoas a se melhorarem.

Quem sabe, outras pessoas me vendo fazer isso, e resolvam fazer o mesmo?

É para isso que eu vivo – disse o Nicola – “Este, bambino, o sentido da minha vida.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário