quinta-feira, 27 de maio de 2010

O PADRE FOFOQUEIRO

Nas minhas andanças pelo interior do estado, por força da minha profissão, conheci pessoas das mais diferentes formações, crenças e atitudes. Algumas, por serem muito especiais, marcaram a minha vida, como aconteceu com um velho padre, figura simpática e sempre risonha, que aparentava ter mais de 80 anos, mas sempre bem humorado e alegre com todos. Era muito querido em sua comunidade, e sua igreja estava sempre cheia de fieis, que demonstravam ter muito carinho, pelo velho sacerdote.

Desde nosso primeiro contato, percebi que o velho padre era um líder natural naquela comunidade. Também nos poucos dias que ali permaneci, pude verificar o grande numero de pessoas que o procuravam com os mais variados problemas. Sua disposição para atender os necessitados, era alguma coisa de contagiante. Notei também, que quando as pessoas o encontravam na Igreja ou em alguma das obras assistenciais que ele dirigia, quase sempre queriam ter uma conversa em particular com ele. Diziam sempre que o procurariam depois, em sua casa, e ele sempre sorridente,demonstrando uma felicidade que realmente deveria estar sentindo, respondia: -¨ Isso mesmo, passe lá em casa. Vamos tomar um cafezinho e falar mal da vida alheia... A final somos só nos dois pra falar do mundo todo, e todos pra falar de nos dois...a desvantagem é grande... ¨ Como esta resposta era mais ou menos constante... fui ficando intrigado. A mim, não me parecia comum, um líder religioso gostar de falar mal da vida alheia. Seria isto correto?

Um sábado a tarde, estando eu sem fazer nada, lembrei-me do padre e resolvi visitá-lo em sua casa. Recebeu-me muito bem, todo sorridente, mandou servir café com bolo de Fubá, e passamos a conversar sobre amenidades, coisas da vida. Em determinado momento, não resisti e perguntei-lhe o porque daquele procedimento que ele adotava com as pessoas que o procuravam. Extremamente simpático, deu uma sonora gargalhada, demonstrando estar admirado com a minha curiosidade. Depois, muito sério disse: -¨ Olha meu filho. O maior perigo que a criatura humana enfrenta, é a maledicência, o mau uso da língua. A língua é tão perigosa que Deus, em sua magnífica sabedoria, a colocou em uma caverna,- Que é a nossa boca – E a prendeu entre grades, que são os nossos dentes. Mas o homem não observa estes freios, e ao menor deslize de seu semelhante, liberta a língua e solta veneno sobre o infeliz. A língua, meu filho, é perigosíssima, quando mal utilizada. E tem um agravante –Continuou – o homem gosta de fofocar. A fofoca é hoje uma instituição internacional. Até entre as nações, existe fofoca. Imagine então aqui, uma cidadezinha pequena, onde todos se conhecem o perigo que isto representa. Então,quando querem falar comigo,querem na realidade falar de seus conflitos, se queixar de quem eles julgam ser os causadores de seus problemas: um vizinho,um amigo,a mulher, o marido,a sogra...nunca eles próprios. Sempre tem alguém que consideram responsável pela sua desdita. Comigo,eu os deixo falar a vontade,até se sentirem satisfeitos,saciados,e até concordo com eles. Ficam felizes, realizados, e antes de irem embora, eu digo que eles tem razão, mas como são bons cristãos, devem perdoar e não comentar com outros, o seu padecimento. Desta forma, uma queixa que se transformaria em fofoca, morre aqui comigo e não se espalha.

Meu filho...se eu contasse tudo que já ouvi,aqui nesta casa,a cidade no mínimo explodiria.. é um trabalho triste e penoso,mas enormemente compensador pelo alivio que traz pela alma que se alivia.¨ concluiu com um largo sorriso.

Olhei para aquele homem bom e sincero que estava a minha frente, sem poder desviar os olhos por alguns momentos. Senti que estava diante de um verdadeiro cristão.

Depois de algum tempo deixei aquela pequena cidade por força do meu trabalho, não sem antes ir até a igreja para abraçar o velho padre,que um dia,injustamente eu imaginei fosse um grande fofoqueiro. Destes fatos, já se passaram muitos anos, mas até hoje recordo da lição que aprendi, e da realidade em que me foi dita, naquela época. Na verdade, os relatos que nos chegam com relação a problemas, são quase sempre queixas veladas sobre o comportamento de alguém. Nunca vi, ou ouvi alguém se queixar de si mesmo, como causa das próprias aflições. São sempre os outros... Estas almas encontram na critica ao semelhante,um meio de desculpar os seus próprios enganos, e faltas.

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